Queda depois de Newton

Queda depois de Newton

Texto de Steve Paxton (1983)

Tradução livre de Hary Salgado

Queda depois de Newton é um vídeo que rastreia o desenvolvimento do Contato Improvisação (CI) do trabalho embrionário de Steve Paxton, Magnesio, em 1972, e através de anos consecutivos de apresentações de CI, incluindo as séries de concerto do décimo primeiro aniversário da Judson Church Gallery de São Marcos, em Nova Iorque, em 1983.

Steve propõe a concepção monumental para a queda depois de Newton, após ter editado “Chute” com Steve Christiansen e Lisa Nelson em 1979. Felizmente havia cobertura dos vídeos das primeiras apresentações. Isto surgiu da possibilidade de examinar o desenvolvimento de uma bailarina e o crescimento correspondente da dança em si.

Em 1980, Nancy Stark Smith passou a ter suas performances de dança documentadas em vídeo, o que totalizou aproximadamente 50 horas de gravação, sendo sete anos de seções esporádicas de edição, confecção do material e revisões. Deste trabalho, obteve-se um vídeo com duração de 23 minutos, com imagens coloridas e p&b, com uma narração do próprio Steve Paxton. A narração é relatada a seguir:

(O vídeo Queda depois de Newton recebeu fundos parciais da Nacional Endawment for the Arts, o projeto de Judson Church, de Benningtom College em Vermont e Videoada, projeto Contact collaborations IMC.). Esta e outras fitas podem ser solicitadas na Videoada, box 22, E. Charleston, VT 050833.

Transcrição do vídeo

Quando uma maçã caiu sobre a sua cabeça, Newton se inspirou para escrever suas três leis do movimento. Estas leis passaram a ser o fundamento de nossas idéias sobre as leis físicas. Sendo essencialmente objetivo, Newton ignorou como se sente ser a maçã.

Quando colocamos nosso corpo em movimento, vamos além do chamado constante da gravidade até a oscilação e a órbita convidativa da força centrífuga. Os bailarinos cavalgam nessas forças. Para além da terceira lei de Newton, descobrimos que para cada ação são possíveis várias reações iguais e opostas. Ali reside uma oportunidade para a improvisação.

Terceira lei de Newton: a lei diz que para a ação exercida por um corpo, existe uma reação igual e oposta em outro corpo (lei de ação e reação).

Estamos aliando uma performance de CI, uma forma do movimento de dupla, através de movimentos elegidos durante anos de apresentações com Steve Paxton e com outros. Esta filmagem recorre a começos de prática de Nancy desde sua primeira experiência com a forma que eu estava trabalhando quando era nova, em 1972.

Os solos de Nancy, explorando seus movimentos unidos com a gravidade e o chão, que nesse trabalho são considerados complementares e não se dão por finalizados, não se direcionam a si mesma: eles se movem e deixam suceder encontrando maneiras de tratar o impulso e a gravidade.

Em 1976, Nancy e seu companheiro Curt Siddall se moveram seguindo o ponto de toque: neste ponto também se move o foco fundamental para sua improvisação no jogo de mover-se e ser movido, os movimentos específicos são imprevisíveis, mas ocorrem dentro de um campo acessível ao conhecimento da gravidade, das forças centrífugas…

O toque une as forças que atuam sobre o corpo com as sensações que estas geram dentro do corpo. Esta interação é o que possibilita manter todas as partes de ambos os corpos em harmonia.

Não serão tão audazes os quatro anos antes. Nesta primeira performance de CI, estavam acostumados a se mover pelo toque sentindo seu caminho: descobriram os segredos da forma sobre eles mesmos e suas percepções.

A performance que atraiu Nancy a esta forma foi um estudo de alto impacto (high energy) chamado Magnesium!. Eu fiz Magnesium! para um grupo de homens em Oberline College em 1972, que pesquisava as qualidades reflexas do toque com impulso, queda, rolamento e choque.

Magnesium! termina com cinco minutos em posição de pé, para marcar uma grande diferença na escala de movimento.

High energy se refere à máxima potência a desenvolver, estar parado não é realmente estar parado. Equilibrar sobre duas pernas demonstra ao corpo do bailarino que uma pessoa sempre se move com a gravidade. Observar os ajustes constantes que o corpo faz para impedir. E observar os reflexos enquanto trabalha, sabendo que são sutis e confiáveis; não somente medidas de emergência.

Estar de pé virou uma de nossas disciplinas, mantendo a mente atenta no aqui e agora do corpo. Esta simples prática era a preparação para as complexas interações que surgiam com um companheiro. Como eram as práticas de jogar e agarrar que exigiam respostas instantâneas introduzindo-nos a estados de adrenalina.

No princípio parecia haver somente duas opções: tratar de seguir o fluxo da comunicação ou resisti-lo. Cada dança é uma série de decisões instantâneas e sucedem a si mesma. A pele sensível está alerta aos pontos de contato. Sinais que indicam aos bailarinos onde estão orientando-os em direção aos seus companheiros e ao chão. Suas percepções se entendem. Estão estimuladas em suas mentes as muitas situações de toque e as relações em constante movimento se fundem em uma continuidade de corpos em movimento que criam uma lógica alcançada só no calor da dança. Uma lógica tão segura como aquela encontrada quando estamos de pé e observamos a dança reflexa de nossos ossos.

Impulsos mais altos trazem novas áreas de risco. Para desenvolver este aspecto da forma temos que sobreviver a ela. O suporte necessário pelas partes inconscientes sem a presença do medo. A calma de se estar parado se estende até a queda. Existem os imprevistos, podemos antecipar-nos com o pensamento, mas o que o corpo pode fazer para sobreviver é muito mais rápido que o pensamento.

É útil treinar os reflexos para estender as extremidades em vez de contraí-las em uma queda. Durante esta queda tão desorientadora (mostrada no vídeo), os braços de Nancy conseguem amortecer suas costas, e isto distribui o impacto em uma área maior: ela não pára de se mover. Isso ajuda a dispersar o impacto em um lapso de tempo levemente mais prolongado. Não parece que isto a incomode.

Fazendo uma retrospectiva, começamos com a primeira dupla veloz em que eu bailo com Nancy, com abandono despojado para desencadear o “momentum”. Parece bruto e desorientador para ela, mas ela está pronta para isso.

Momentum, impulso, ímpeto: o produto entre a massa e a velocidade

Um ano depois, a sensação do movimento era mais contínua, o fluir do movimento mais prolongado. Havia mais tempo para sentir o que estava sucedendo ao mesmo tempo em que nós estávamos em contato. Prestamos atenção a nossos próprios reflexos que haviam sido estimulados pelos movimentos do outro. Nossos reflexos se movem e isto provoca o movimento de nosso companheiro, este ciclo de respostas de movimento contínuo; forma a base do diálogo.

Quando a segurança física estava garantida em um plano mais instintivo, tivemos a liberdade para jogar com o tempo e as sutilezas do toque. Frases de movimento podiam estender-se durante tempo indefinido quando não necessitávamos parar para constatar nossa situação.

Para o ano 1978, havíamos examinado durante sete anos o “tempo” do corpo em si mesmo e começamos a buscar formas para mudar nossos padrões habituais. Usar música foi uma das formas para esta performance. Collin Wallcott toca incorporando os sons casuais de nosso movimento em sua percepção. Bailamos seu ritmo e ele tocou o nosso ritmo.

No decorrer dos anos, os princípios subjacentes em nosso movimento se mantiveram iguais. À medida que os sentidos se expandem no espaço esférico e o sistema muscular aprende a responder ao toque em qualquer superfície do corpo, qualquer zona pode ser ponto de apoio desencadeando a continuidade ou mecanismo de alavanca.

Nancy e eu temos dançado com muitos outros companheiros de formação e destrezas diversas. Cada um propôs seu próprio enigma cinético que fomos dançando, contribuindo com novos elementos ao corpo de trabalho, à trama de CI.

O foco principal do treinamento é reafirmar os sentidos. Todos os sentidos devem tornar-se elásticos o suficiente para navegar através do espaço esférico, e poder afrontar qualquer posição, qualquer troca de aceleração e/ou velocidade.

Parece que o que emerge são dois corpos atuando dentro do domínio das forças físicas. Newton propôs idéias acerca da força e sua interação. Somando a isto, CI trata com idéias, imagens que são, inicialmente, sensações, logo sentidas pela mente. Cada pessoa que dançou CI ensina sua variação aos seus companheiros. Esta rede difunde informação entre as pessoas.

Como membro da primeira geração que estudou CI, Nancy não só estudou, mas ajudou a definir pelo sentido que o seu treinamento deu a ela. Quando ela começou ninguém sabia que tipo de dança resultaria dessa prática, em qual propriedade se iria desenvolver.

Vimos o primeiro evento de contato que Nancy viu: Magnesium. Esta performance representa um marco e deve ter deixado uma marca nela, que ao mesmo tempo tem que ser alterada pelo desenvolvimento da forma em dupla, trios e solo.

Podemos ver as trocas físicas nos primeiros anos de estudos de Nancy, e o desenvolvimento do seu estilo de performance.

Vimos um pouco do trabalho cotidiano, mas temos visto as palestras em que o CI tem sido amplamente definido. Olhando o desenvolvimento de Nancy durante onze anos, vimos uma fibra da trama da rigorosa estrutura do CI.

Um aspecto importante do CI é o prazer de mover-se, de dançar com alguém de uma maneira muito espontânea. Isto sucede em um contexto que considera o corpo em toda sua variedade como foco primário desde onde a mente pode expandir-se. Com isto a dança pode se refinar para relações sempre mais precisas com as forças físicas.

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